Marcelo Marcos Boarati – Agatsu Dojo-Brazil Aikikai
Em dezembro de 1999 iniciei no Aikido por insistência de alguns amigos do trabalho que estavam praticando. Confesso que o começo dos treinos não foi muito empolgante, não me sentia integrado e motivado, pois para os iniciantes a aula se resumia praticamente na prática da quedas. Era um rola para cá, um rola para lá por quase uma hora. Algo bem diferente do que se assiste nos filmes do Steven Seagal.
Curiosamente, não parei de praticar, algo dentro de mim me impulsionava a ir aos treinos, meu corpo se ressentia quando não era possível ir às aulas. Eu atribuía este “sentimento” ou “necessidade” ao fato de estar praticando um esporte que estava condicionando meu corpo, assim achava normal que o corpo reclamasse quando os treinos eram interrompidos. Em nenhum momento desta fase inicial imaginei que estava ocorrendo algum tipo de mudança mental e espiritual. Minha família foi a primeira a notar que as mudanças eram mais profundas, me falavam que ficava de mau humor quando faltava aos treinos que estava mais sociável e mais próximo da minha família e meus amigos.
O tempo foi passando, os treinos, agora sob a supervisão do Sensei Felisberto, foram ficando mais interessantes, pois a cada aula sempre aprendia uma técnica nova, não era mais aquele treino monótono, porém necessário, dos primeiros meses, onde os primeiros pilares do Aikido são exercitados. É justamente nesta fase inicial, que ocorreram as primeiras desistências dos meus amigos que insistiram tanto para que eu iniciasse na prática. Ao final de dois anos, todos os meus amigos já tinham desistido. Eu alimentava meu “Ego” achando que por não ter desistido era melhor do que eles, que tinha mais resistência, que era mais persistente, enfim não tinha percebido a verdade por trás deste processo. Foi o Sensei Felisberto que com um comentário esporádico em um treino me forneceu a dica para entender: “Não são as pessoas que escolhem o Aikido, mas sim o contrário”. Comecei a perceber naquelas palavras, que o Aikido é uma entidade, uma força, uma energia que naturalmente procura se harm onizar e crescer em conjunto com outras energias ou entidades, ou seja, as pessoas que o praticam. Assim com existe relações de simpatia e antipatia entre pessoas, existem relações análogas entre o Aikido e seus praticantes. É uma troca, uma parceria cujo objetivo é a sinergia (soma) e a harmonia e não a divergência, conflito ou qualquer sentimento negativo. Eu não era melhor que ninguém, apenas tinha encontrado um caminho na qual me identifiquei, que me proporcionava equilíbrio físico, menta e espiritual.
Os anos passaram, vieram os exames, os seminários e finalmente um dos momentos mais esperados de todo aikidoista: o exame para Shodan. Nesta época eu achava que bastava treinar todas as técnicas até a exaustão, treinar a resistência do corpo o máximo, ou seja, eu acreditava que isto era o SHUGYO que o Sensei Felisberto sempre nos lembrava. Um treinamento forte, intenso, disciplinando e constante seria a chave para passar no exame. Chegou o dia do exame e para minha surpresa eu não passei. Estava tão nervoso que logo nas primeiras quedas, com cinco minutos de exame, tive câimbras que minaram ainda mais minha confiança, afinal se logo no começo meu corpo dava sinal de instabilidade o que aconteceria então depois de uma ou duas horas. Mas nem precisei esperar tanto, pois comecei a cometer erros primários nas primeiras técnicas causando minha reprovação. Lembro até hoje o comentário de minha esposa: O que aconteceu? Não era você. Porque você fez tudo diferente dos treinos? Depois de alguns meses comecei a entender o que tinha acontecido naquele dia. Eu acreditava que o treino físico era suficiente para me fazer passar, porém esqueci o principal: a mente, ou seja, esqueci de trabalhar minhas emoções, de preparar meu psicológico para enfrentar os obstáculos do exame, que não são poucos. Inclusive me preparar para uma possível reprovação e entender que naquele momento da eu não estava preparado suficientemente.
Procurei então entender melhor o conceito de Shugyo que significa percorrer o Caminho durante toda uma vida. É o treinamento, a luta, a educação e disciplina constante e por toda a vida fazendo frente a qualquer obstáculo, superando todos os limites. Nos faz perseverar, nos faz lutar até e além das últimas forças, nos ensina que se não desistirmos e ficarmos firmes nos nossos propósitos conseguiremos vencer as dificuldades, os obstáculos, os medos, as inseguranças. Agora fazia sentido, não estava relacionado somente com o treinamento do corpo, a mente e o espírito também tem que estarem preparados para que nos momentos mais difíceis, onde os limites físicos já foram ultrapassados consigamos buscar, não se sabe de onde, as forças para continuar e vencer todas as dificuldades, problemas, superar o cansaço, as dores e seguir em frente.
Existe uma história que ilustra bem o conceito:
“No dojô de Yamaoka Tesshu, havia um treinamento especial para silenciar o ego e desenvolver um espírito forte, confiante. Era o treinamento de defesa contra mil ataques. Poe um bom período de tempo, o discípulo tinha que enfrentar diariamente cem colegas que o atacavam com toda a força dez vezes cada um, no estilo que quisessem. No último dia do treinamento, o estudante não descansava e só tomava uma tigela rasa de sopa. Com as pernas bambas sob o peso da armadura de kendo e os braços estremecidos pela dor e esforço de segurar o shinai, o corpo físico logo ficava exausto, e era neste momento que o estudante se desapegava da força física e da boa técnica para recorrer ao espírito. Embora fosse repetidamente derrubado por atacantes descansados, o seu poder espiritual não cessava e sua concentração aumentava. Prosseguia na luta, tentando reunir toda força espiritual para defender-se de cada ataque. Muitas vezes, ao fim do treinamento, o estudante estava completamente inconscien te, mas ainda em kamae, com o shinai na posição de defesa. (Aikido e a Harmonia da Natureza – Mitsugi Saotome)”.
Procurei então manter o treinamento focando não só na parte física, mas também treinando minha mente e meu espírito para suportar as dificuldades em todas as esferas da minha vida (profissional, financeira, espiritual). Também faz parte deste processo aprender com os erros e com as derrotas para que no futuro, estas mesmas derrotas se tornem fonte inspiradora para as verdadeiras vitórias.
Agradecimentos:
Eu quero agradecer a Deus por nos dar a oportunidade da vida com seus momentos bons e ruins, a minha família que é pilar principal da minha vida, ao Sensei Felisberto pela extrema dedicação ao Aikido e aos seus alunos, na qual serei eternamente grato e leal, ao Sensei Thiago que assumiu com muita maturidade e competência a tarefa de nos liderar, aos faixas pretas Jorge, Francisco, Marcos, Marcelo, Sensei Ricardo e a todos os meus companheiros de treino que, especialmente nestas últimas semanas, me ajudaram e se entregaram de corpo e alma nos treinos, ao Shihan Wagner por manter e oferecer, através do instituto Takemussu, um Aikido de alto nível e finalmente ao Aikido, por ter me escolhido e permitir que eu continue a praticá-lo, a senti-lo e quem sabe ensiná-lo.
Curiosamente, não parei de praticar, algo dentro de mim me impulsionava a ir aos treinos, meu corpo se ressentia quando não era possível ir às aulas. Eu atribuía este “sentimento” ou “necessidade” ao fato de estar praticando um esporte que estava condicionando meu corpo, assim achava normal que o corpo reclamasse quando os treinos eram interrompidos. Em nenhum momento desta fase inicial imaginei que estava ocorrendo algum tipo de mudança mental e espiritual. Minha família foi a primeira a notar que as mudanças eram mais profundas, me falavam que ficava de mau humor quando faltava aos treinos que estava mais sociável e mais próximo da minha família e meus amigos.
O tempo foi passando, os treinos, agora sob a supervisão do Sensei Felisberto, foram ficando mais interessantes, pois a cada aula sempre aprendia uma técnica nova, não era mais aquele treino monótono, porém necessário, dos primeiros meses, onde os primeiros pilares do Aikido são exercitados. É justamente nesta fase inicial, que ocorreram as primeiras desistências dos meus amigos que insistiram tanto para que eu iniciasse na prática. Ao final de dois anos, todos os meus amigos já tinham desistido. Eu alimentava meu “Ego” achando que por não ter desistido era melhor do que eles, que tinha mais resistência, que era mais persistente, enfim não tinha percebido a verdade por trás deste processo. Foi o Sensei Felisberto que com um comentário esporádico em um treino me forneceu a dica para entender: “Não são as pessoas que escolhem o Aikido, mas sim o contrário”. Comecei a perceber naquelas palavras, que o Aikido é uma entidade, uma força, uma energia que naturalmente procura se harm onizar e crescer em conjunto com outras energias ou entidades, ou seja, as pessoas que o praticam. Assim com existe relações de simpatia e antipatia entre pessoas, existem relações análogas entre o Aikido e seus praticantes. É uma troca, uma parceria cujo objetivo é a sinergia (soma) e a harmonia e não a divergência, conflito ou qualquer sentimento negativo. Eu não era melhor que ninguém, apenas tinha encontrado um caminho na qual me identifiquei, que me proporcionava equilíbrio físico, menta e espiritual.
Os anos passaram, vieram os exames, os seminários e finalmente um dos momentos mais esperados de todo aikidoista: o exame para Shodan. Nesta época eu achava que bastava treinar todas as técnicas até a exaustão, treinar a resistência do corpo o máximo, ou seja, eu acreditava que isto era o SHUGYO que o Sensei Felisberto sempre nos lembrava. Um treinamento forte, intenso, disciplinando e constante seria a chave para passar no exame. Chegou o dia do exame e para minha surpresa eu não passei. Estava tão nervoso que logo nas primeiras quedas, com cinco minutos de exame, tive câimbras que minaram ainda mais minha confiança, afinal se logo no começo meu corpo dava sinal de instabilidade o que aconteceria então depois de uma ou duas horas. Mas nem precisei esperar tanto, pois comecei a cometer erros primários nas primeiras técnicas causando minha reprovação. Lembro até hoje o comentário de minha esposa: O que aconteceu? Não era você. Porque você fez tudo diferente dos treinos? Depois de alguns meses comecei a entender o que tinha acontecido naquele dia. Eu acreditava que o treino físico era suficiente para me fazer passar, porém esqueci o principal: a mente, ou seja, esqueci de trabalhar minhas emoções, de preparar meu psicológico para enfrentar os obstáculos do exame, que não são poucos. Inclusive me preparar para uma possível reprovação e entender que naquele momento da eu não estava preparado suficientemente.
Procurei então entender melhor o conceito de Shugyo que significa percorrer o Caminho durante toda uma vida. É o treinamento, a luta, a educação e disciplina constante e por toda a vida fazendo frente a qualquer obstáculo, superando todos os limites. Nos faz perseverar, nos faz lutar até e além das últimas forças, nos ensina que se não desistirmos e ficarmos firmes nos nossos propósitos conseguiremos vencer as dificuldades, os obstáculos, os medos, as inseguranças. Agora fazia sentido, não estava relacionado somente com o treinamento do corpo, a mente e o espírito também tem que estarem preparados para que nos momentos mais difíceis, onde os limites físicos já foram ultrapassados consigamos buscar, não se sabe de onde, as forças para continuar e vencer todas as dificuldades, problemas, superar o cansaço, as dores e seguir em frente.
Existe uma história que ilustra bem o conceito:
“No dojô de Yamaoka Tesshu, havia um treinamento especial para silenciar o ego e desenvolver um espírito forte, confiante. Era o treinamento de defesa contra mil ataques. Poe um bom período de tempo, o discípulo tinha que enfrentar diariamente cem colegas que o atacavam com toda a força dez vezes cada um, no estilo que quisessem. No último dia do treinamento, o estudante não descansava e só tomava uma tigela rasa de sopa. Com as pernas bambas sob o peso da armadura de kendo e os braços estremecidos pela dor e esforço de segurar o shinai, o corpo físico logo ficava exausto, e era neste momento que o estudante se desapegava da força física e da boa técnica para recorrer ao espírito. Embora fosse repetidamente derrubado por atacantes descansados, o seu poder espiritual não cessava e sua concentração aumentava. Prosseguia na luta, tentando reunir toda força espiritual para defender-se de cada ataque. Muitas vezes, ao fim do treinamento, o estudante estava completamente inconscien te, mas ainda em kamae, com o shinai na posição de defesa. (Aikido e a Harmonia da Natureza – Mitsugi Saotome)”.
Procurei então manter o treinamento focando não só na parte física, mas também treinando minha mente e meu espírito para suportar as dificuldades em todas as esferas da minha vida (profissional, financeira, espiritual). Também faz parte deste processo aprender com os erros e com as derrotas para que no futuro, estas mesmas derrotas se tornem fonte inspiradora para as verdadeiras vitórias.
Agradecimentos:
Eu quero agradecer a Deus por nos dar a oportunidade da vida com seus momentos bons e ruins, a minha família que é pilar principal da minha vida, ao Sensei Felisberto pela extrema dedicação ao Aikido e aos seus alunos, na qual serei eternamente grato e leal, ao Sensei Thiago que assumiu com muita maturidade e competência a tarefa de nos liderar, aos faixas pretas Jorge, Francisco, Marcos, Marcelo, Sensei Ricardo e a todos os meus companheiros de treino que, especialmente nestas últimas semanas, me ajudaram e se entregaram de corpo e alma nos treinos, ao Shihan Wagner por manter e oferecer, através do instituto Takemussu, um Aikido de alto nível e finalmente ao Aikido, por ter me escolhido e permitir que eu continue a praticá-lo, a senti-lo e quem sabe ensiná-lo.
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