Chris Curtis Sensei é 7º dan de Ki-Aikido e presidente da Federação de Ki do Havaí. Entrevista concedida à Federação de Ki da Dinamarca no ano de 2000, em ocasião de um seminário internacional de Ki-Aikido naquele país.
Pergunta:
Há tantas linhas de Aikido hoje no mundo, o sr. poderia me dizer o que há de especial no Shin Shin Toitsu Aikido? O que o torna diferente de outras linhas?
Curtis Sensei:
Bem, entre mim e você, eu posso dizer facilmente que a diferença é que nós praticamos os Princípios do Ki e as outras linhas geralmente não os praticam. Mas para que o público geral tenha uma melhor compreensão do que isso significa, talvez eu deva dizer como o Shin Shin Toitsu veio a ser desenvolvido, e em particular em meu caso, como ele veio para o Ocidente, especificamente para o Havaí.
Eu vivo em Maui, Havaí, e esta ilha tem uma relação muito especial e íntima com o Japão. Isto não se deve apenas à proximidade física, por ser mais próximo do Japão do que de outros países do mundo, mas porque aqui temos uma comunidade japonesa muito grande e ativa. Em 1953, Mestre Koichi Tohei, meu sensei no Japão e fundador da Ki no Kenkyukai (Ki Society International) e do Shin Shin Toitsu Aikido (Aikido com mente e corpo unificados), veio pela primeira vez para o Ocidente, para Maui, Havaí. Um grupo chamado Nishikai, uma organização nipo-havaiana, convidou-o para ensinar seu Aikido para o Departamento de Polícia de Maui. Nesta época, o fundador do Aikido, Mestre Morihei Ueshiba, havia ensinado extensivamente no Japão, era muito respeitado e tinha uma grande escola com muitos discípulos mas nunca tinha saído do Japão. Assim, era o desejo de Mestre Ueshiba que Tohei Sensei viesse ao Havaí para começar a espalhar os ensinamentos do Aikido pelo mundo. Quando Tohei Sensei chegou ao Havaí e veio para o Departamento de Polícia de Maui, um homem chamado Shinichi Suzuki era oficial de polícia e foi indicado para ajudá-lo a se estabelecer (Shinichi Suzuki mais tarde se tornaria meu professor em Maui). O sr. Suzuki envolveu-se tanto na tarefa que imediatamente se tornou aluno de Tohei Sensei, que o convidou a liderar, como instrutor-chefe, o grupo de aikidokas que rapidamente se formou em Maui. Assim Suzuki Sensei teve uma relação muito próxima com Tohei Sensei desde o início e assumiu a responsabilidade de um instrutor-chefe praticamente desde seu primeiro dia de treinamento.
Quando Tohei Sensei começou a ensinar esse grupo no Havaí, ele percebeu que alguns dos seus métodos de ensino não eram tão eficientes quanto costumavam ser com os japoneses. Muitas das pessoas do Havaí são muito grandes, algumas com até 2m ou 2,10m de altura, às vezes pesando mais de 100kg, e Tohei Sensei é um homem muito pequeno, e muitas das técnicas mostraram-se ineficientes nessas condições. Ele percebeu também que os ocidentais pediam explicações que nenhum japonês se arriscaria a pedir nos treinos. Assim, desde o início ele teve que desenvolver uma forma mais eficiente de praticar o Aikido e um novo método de ensino para pessoas diferentes. Este fato veio de encontro com o que ele tinha pensado em seu treinamento no Japão (como explicarei mais tarde). Ele começou a desenvolver um Aikido muito mais relaxado e mentalmente centralizado, em vez de um Aikido fisicamente concentrado. Entretanto, cada vez que ele voltava ao Havaí (ele vinha para cá uma vez a cada dois anos e aqui permanecia por um ou dois meses) ele percebia que, mesmo ensinando aos havaianos um Aikido mentalmente centralizado, eles insistiam (por causa de seu costume de olhar o mundo de uma perspectiva física) em traduzir os ensinamentos em expressões físicas, uma espécie de expressão marcial, muito dura, usando mormente a parte superior do corpo — os braços e os ombros — para forçar o oponente a uma posição de submissão. Assim, ele ficou frustrado com seu esforço para nos ensinar o Aikido relaxado e mentalmente centralizado, e a partir daí começou a desenvolver métodos cada vez mais eficientes para ensinar a relaxar e experimentar a mesma liberdade de aprendizado que ele teve. No início sua tarefa foi muito direta e simples, que era nos ensinar a relaxar. E conforme seu desenvolvimento pessoal se aprofundava, ele passou a usar métodos cada vez mais sutis e sofisticados para transmitir a profundidade de sua percepção às pessoas.
Qual era a relação de Tohei Sensei com seu mestre, O-Sensei? O conceito de relaxamento veio de seu mestre ou Tohei Sensei de algum modo descobriu coisas novas ou acrescentou uma nova compreensão à arte do Aikido?
Tohei Sensei disse-me uma vez que logo que ele encontrou O-Sensei pela primeira vez ele ficou muito impressionado com sua habilidade de lançar as pessoas com aparentemente nenhum esforço físico. Ele ficou surpreso com aquilo e tentou fazer o mesmo, mas não era muito eficiente na tarefa. De fato, ele percebeu que nenhum dos alunos de O-Sensei eram capazes de fazer o que o mestre fazia. Tohei Sensei começou a ampliar e aperfeiçoar seu treinamento de modo ter uma melhor compreensão daquilo que seu mestre estava fazendo. Ele treinou com outra pessoa durante muito tempo, um homem chamado Tempu Nakamura. Este homem ensinou Tohei Sensei que a mente conduz o corpo. Além disso, Tohei Sensei costumava freqüentar a Ichikukai, uma escola em que as pessoas participavam de um severo período de três dias de orações em seiza, uma experiência muito cansativa e penosa. Tohei Sensei esteve nessa escola 67 vezes. Nenhuma outra pessoa conseguiu sequer aproximar-se desse número. Por causa da intensidade do treinamento na Ichikukai, ele retornava aos treinos das manhãs de segunda-feira com O-Sensei num estado de total esgotamento físico; a partir daí Tohei Sensei começou a perceber que quando ele estava mais cansado ele conseguia realizar com mais facilidade as técnicas ensinadas por O-Sensei. Assim, em acordo com seu treinamento com Tempu Nakamura (que o ensinou sobre a mente que conduz o corpo) e sua experiência na Ichikukai (que esgotava as energias de seu corpo físico e o obrigava a buscar outra fonte de energia), ele começou a entender que mesmo que O-Sensei não estivesse ensinando a unificação entre mente e corpo e técnicas de relaxamento, isso era de fato o que ele estava fazendo. O-Sensei era um homem muito religioso; seus estudos envolviam símbolos religiosos da tradição xintoísta e ele estava envolvido em uma seita chamada Omoto. Todos seus estudantes diziam “Eu não sei do que ele está falando”. Quando Shinichi Suzuki Sensei foi para o Japão para treinar com O-Sensei e Tohei Sensei, O-Sensei gostou muito dele e ficou muito contente de tê-lo por lá — um visitante do Havaí, nascido e criado no Havaí, embora de ascendência japonesa. E uma manhã depois da aula O-Sensei convidou Suzuki Sensei aos seus aposentos e fê-lo permanecer em seiza por uma hora enquanto O-Sensei falou-lhe sobre religião. Sem entender uma palavra, mas sem querer ser rude, Suzuki Sensei permaneceu em seiza dizendo “Hai Sensei! Hai Sensei!” e inclinando sua cabeça. Depois eles saíram para o dojo em que os alunos estavam treinando, muitos dos quais treinavam com O-Sensei havia muitos anos, e O-Sensei disse “O que há de errado com vocês? Este homem do Havaí entende tudo que eu digo, e vocês não entendem nada”. Mais tarde eles foram até Suzuki Sensei e perguntaram “O que ele disse? Diga-nos o que ele quer dizer!”, mas Suzuki disse-lhes apenas “Eu não sei, eu disse apenas ‘Hai Sensei, Hai Sensei’”.
O-Sensei era uma pessoa muito difícil de entender, seus ensinamentos eram muito elevados e refinados e muito cheios de metáforas e conceitos religiosos. Não eram ensinamentos diretos. Assim Tohei Sensei pensou “Ok! É por isso que ninguém pode fazer isso, porque ninguém entende o que ele está fazendo, porque ele não está ensinando o que ele está fazendo. Ele está mostrando o que ele está fazendo. Depende de vocês alunos discernir o ensinamento.” Assim Tohei Sensei foi o único aluno que desempenhou um esforço pessoal completo para captar os ensinamentos de seu mestre. O-Sensei reconheceu isso e o laureou como o primeiro 10º dan de Aikido e como instrutor chefe de sua escola [Hombu Dojo].
O-Sensei veio ao Havaí e abençoou o Maui Dojo em 1961 e aquele espaço durou até o ano passado [1999] quando finalmente tivemos que derrubá-lo e construir um novo espaço. Agora temos um Dojo muito bom e equipado com dois andares. O-Sensei teve uma relação muito especial com meu mestre Shinichi Suzuki. E, claro, Tohei Sensei era seu aluno favorito, ele era o professor carismático e dinâmico apto a espalhar seus ensinamentos pelo mundo, não apenas ao Havaí. Ele esteve em vários países. Mas nessa época O-Sensei estava perto do fim de sua vida; era 1969. A tradição no Japão é que a escola, qualquer escola de artes marciais, o status e o valor ou tradição daquela escola, deve permanecer com a família, ela passa de pai para filho. Neste caso Kisshomaru, o filho de O-Sensei, naquela época chamado de Waka Sensei, receberia a escola das mãos de O-Sensei quando este falecesse. Em seu leito de morte O-Sensei chamou Tohei Sensei e o fez prometer que honraria seu filho, Kisshomaru Ueshiba, como diretor da Aikikai. Tohei Sensei teria seu título de instrutor chefe e como tal seria responsável por toda a instrução. Mas como Tohei Sensei era muito mais poderoso, muito mais carismático e tinha muitos seguidores, O-Sensei temia que a escola fosse passada para Tohei Sensei, e ele não queria que a escola deixasse sua família. Ele fez Tohei Sensei prometer que ele permitiria Kisshomaru Ueshiba manter seu status de diretor e líder da escola e que Tohei Sensei não se oporia a isso e apenas ensinaria como instrutor chefe. O-Sensei tinha a impressão de que tudo estaria bem se Tohei Sensei concordasse com seus pedidos. E ele concordou. Mas logo que O-Sensei faleceu, os métodos que Tohei Sensei tinha desenvolvido a partir de sua experiência pessoal (não apenas sua compreensão da unificação mente-corpo, mas como conduzir as pessoas nesse caminho, como mostrar-lhes como fazer isso) começaram a encontrar um pouco de resistência por Kisshomaru Ueshiba, o Doshu. E ele pediu a Tohei Sensei “por favor não ensine dessa forma no Dojo, porque meu pai não ensinava assim”. Tohei Sensei tinha muito apreço pela escola e pelo Doshu e queria ensinar Aikido e permanecer nele, mas o Doshu cada vez mais o pressionava de modo a ensinar do modo como O-Sensei fazia, sem transmitir sua compreensão pessoal dos ensinamentos de O-Sensei. Essa situação tornou-se cada vez mais problemática e difícil. E finalmente ele concordou: “Tudo bem, eu não vou ensinar os princípios do Ki, vou criar minha própria escola à parte e vou ensinar Aikido somente aqui”. Então ele criou uma nova escola chamada Ki no Kenkyukai (Ki Society International). E muitos alunos do Hombu Dojo aprendiam os princípios do Ki com Tohei Sensei, e depois voltavam ao Hombu Dojo para treinar Aikido. E naturalmente, conforme o tempo passou, estes aikidokas tornaram-se muito poderosos. Se você aprende a relaxar, quando uma pessoa tenta movê-lo com força é muito fácil barrá-la e evitar que ela faça isso. E claro que todo tipo de dificuldade começou a surgir entre os alunos que praticavam os princípios do Ki e os que não praticavam. Começou a surgir uma divisão muito intensa entre duas turmas: os alunos de Tohei Sensei e os alunos leais ao Hombu Dojo original. Em 1973, Shinichi Suzuki Sensei e Tohei Sensei foram juntos a uma reunião com o Doshu e Osawa Sensei (um dos líderes do Hombu Dojo original). Tohei Sensei anunciou ao Doshu que estava renunciando ao posto de instrutor chefe e que formaria sua própria organização de Aikido sob a estrutura da Ki no Kenkyukai; ele seria chamado Shin Shin Toitsu Aikido, Aikido com mente e corpo unificados. Este foi o princípio do Aikido que nós praticamos hoje.
O que o Shin Shin Toitsu Aikido pode ensinar ao homem moderno?
Todos carregam consigo, conforme essas pessoas crescem através de suas rotinas de vida, um vago senso de instabilidade e separação em relação às pessoas ao seu redor. De modo a superar esse senso de vacuidade e separação, nós tentamos nos preencher com coisas, com pessoas, com substâncias e experiências. Alguns de nós vão muito longe para encontrar satisfação, mas invariavelmente terminam intensificando esse sentimento. Alguém que queira se sentir mais valoroso e realizado pode se tornar um político, ou ir muito longe para se tornar uma celebridade, talvez até escalar o Monte Everest ou dirigir um carro de corrida, ou tornar-se um grande esportista, e não há nada de errado com esses esforços já que eles promovem uma boa saúde, um intelecto consistente e uma vida emocional saudável. São boas ações, a não ser que as estejamos usando para preencher nosso vazio. Se é este o caso, então seremos infelizes, porque esse vazio não pode ser preenchido por algo que venha de fora. Devemos descobrir quem nós somos de verdade, o que são a verdadeira estabilidade, integridade e caráter, e de onde esses valores vêm. Esta é a busca que empreendemos no Aikido. Ela se inicia num nível muito fundamental, e esta é a verdadeira beleza do Aikido. É um caminho único, pela experiência que tive. Nunca encontrei qualquer outra prática que envolvesse a mente e o corpo de uma forma tão simples, elegante e sutil. Simplesmente aprender a manter a mente e o corpo unificados e não resistir ou entrar em colapso. Impressionante!
Há três posturas que podemos assumir diante dos desafios da vida. Um é uma espécie de resistência tensa. Quando uma força vem em nossa direção, tentamos combatê-la, entramos em conflito com ela, lutamos contra ela. Chamamos isso de mente combativa, ou reação animal. O segundo método de lidar com um conflito consiste em entrar em colapso diante de uma força muito forte. Talvez isso seja semelhante ao que fazemos ao final de um dia de trabalho árduo, quando estamos exaustos e sentamos numa bela poltrona, abrimos uma cerveja e basicamente cedemos ao cansaço e abandonamos a vida por uns instantes. Este segundo método pode ser chamado de “estado de relaxamento morto”. Ainda que se possa dizer que há calma e relaxamento em tal estado, não há nenhuma intensidade nisso. Se surge uma emergência, nós preferimos não estar em condições de lidar imediatamente com ela. Por outro lado, quando estamos lutando, estamos resistindo, estamos tensos e nervosos. Sim, há muita intensidade neste caso, mas não há calma. Entretanto, há um outro estado possível, em que temos calma, serenidade e paz e, ao mesmo tempo, estamos cheios de intensidade. Este é o estado que chamamos de Unificação Mente-Corpo. No Shin Shin Toitsu Aikido, aproximar-se deste conceito implica treinar em um dojo sob a orientação de um mestre que lhe mostrará como unificar mente e corpo. Então progressivamente, aos poucos, nós podemos começar a tentar mover-se com mente e corpo unificados. Mas logo descobriremos que só isso não é suficiente, e essa percepção nos conduz a algo essencial na prática do Aikido: desenvolvimento pessoal. Meu mestre Koichi Tohei Sensei é muito insistente em relação a esse tipo de treinamento. Ele sente que ninguém pode se desenvolver sem fazer algum tipo de esforço pessoal (como ele fez) que esteja acima e além do que é feito no dojo. No dojo o professor mostra o caminho, mas você deve encontrar uma forma de praticar aquele caminho de uma maneira muito pessoal e sincera. Temos desperdiçado muito tempo desenvolvendo o hábito errôneo de vermo-nos separadamente, de vermos um mundo dualista, de vermos “você aí tentando fazer algo comigo aqui”. Nós temos desenvolvido esse modo de ver as coisas e, apesar dos nosso esforços, isso continua a crescer. Esse ego é um mecanismo muito poderoso em nós. E o desenvolvemos ao ponto em que ele controla a maior parte de nossas vidas. Devemos, por isso, transformar nosso modo de pensar e nosso modo de viver em um estado unificado, não-dualista, em que não há nenhum senso de existência isolada, nenhuma separação entre o indivíduo e o Universo como um todo. Indivíduo e Universo não são duas coisas separadas. Mas sem dúvida o todo pode ser visto como uma corrente de existência, um constante movimento dessa unidade. E todas as ações da vida surgem dessa corrente, assim como ondas originam-se no oceano. Não separadas dele, elas são únicas e belas, elas têm vida. E no entanto vemos, ao final, que elas existem por causa do oceano. Sem o oceano elas não existiriam, assim devemos nos identificar com o oceano.
Mas como fazer isso? De modo a nos desenvolvermos completamente, precisamos da prática, do exercício. E há várias formas de se praticar o Aikido, mas a primeira forma é o que chamamos de Respiração Completa, ou Respiração Universal. Quando vi meu mestre Suzuki Sensei pela primeira vez, fiquei muito impressionado com sua calma e energia. Nunca tinha encontrado um homem que possuísse estas duas qualidades ao mesmo tempo. E era quase assustador para mim que alguém pudesse ser tão calmo e, por baixo daquela calma, ao mesmo tempo ter uma tremenda presença e intensidade. Tive uma sensação de êxtase, mas de perigo também, quando o encontrei. Então eu lhe perguntei “Como se chega a esse ponto? O sr. nasceu assim ou fez algo para tornar-se assim?”. Ele disse “Não, eu nasci como todo mundo. Se você quer ser como eu, você deve respirar uma hora todos os dias”. Então ele me mostrou como fazer essa respiração controlada, que todos podem aprender em um dojo de Shin Shin Toitsu Aikido. E logo em seguida, durante um mês, eu estava respirando uma hora por dia. Eu tinha que aprender, eu tinha que praticar. Apenas um pouco, cinco minutos por dia, dez minutos por dia, quinze minutos no dia seguinte. Mas finalmente eu alcancei a satisfação de respirar uma hora por dia, e desde então eu tenho respirado uma hora, às vezes duas horas ou mais, pela manhã. Todas as manhãs, antes de ir para o trabalho, eu levanto cedo e pratico a respiração, e desta forma eu pratico a Unificação Mente-Corpo de um modo muito sereno e concentrado. É uma meditação, mas com um elemento adicional. Nós estamos realizando a Unificação Mente-Corpo pela respiração. Usamos nossa mente para acompanhar a respiração até o fim do Universo conforme expiramos. Usamos nossa mente para acompanhar nossa respiração até nosso ponto-um, até o centro de nossa existência, conforme inspiramos. Assim, usamos mente e corpo juntos, a respiração no corpo e a mente acompanhando essa respiração. Essa prática, se realizada adequadamente, nos dá uma grande sensação de calma e intensidade. E ao longo dos anos essa prática conduz a uma realização; a palavra que tenho para isso no Aikido é Reiseishin. Reiseishin é um estado de unificação muito poderoso, porém relaxado. Ele cresce progressivamente, como um balão dentro de nós. Esse “balão” logo ultrapassa os limites de nossa pele, ossos e todo nosso corpo e se torna cada vez maior até que tudo esteja contido nele; ele está cheio do mais potente vazio. É uma experiência paradoxal, porque esse espaço é vazio de pensamento, concepção, mas completa e profundamente cheio ao mesmo tempo. Nós nos sentimos unificados com o Universo. E então no decorrer do dia, quando você está conversando com sua esposa ou com seus filhos, ou seus colegas no trabalho ou seu chefe, ou quando qualquer tipo de dificuldade sobrevém, não há problema. Você não se vê isolado ou desprezível de forma alguma. Você está cheio de auto-confiança, e tem uma sensação de poder que não precisa ser demonstrado ou usado. Assim, o sentimento ao qual me referia no começo, essa nostalgia que costumamos ter, esse senso de isolamento, isso começa a se dissolver. Em seu lugar surge um senso de satisfação profunda e duradoura, que eu não sei se pode ser obtido de outra forma. Talvez haja outras escolas, provavelmente outros enfoques, diferentes tipos de meditação e de práticas que podem ser feitas. Eu não pratico muitas outras coisas. Eu pratico o Shin Shin Toitsu Aikido, e isso me conduziu ao estado de que eu lhe falei, e sou muito grato aos meus mestres por isso, Koichi Tohei Sensei no Japão e Shinichi Suzuki Sensei em Maui, porque ambos insistiram que se eu quisesse ser sério em relação a isso, se eu realmente quisesse mudar como ser humano, tornar-me uma pessoa melhor e não apenas um expert num dojo, eu teria que realizar esse tipo de treinamento.
O que é necessário para uma pessoa trilhar o Caminho de que o sr. está falando?
Bem, é necessário compromisso, em uma palavra. Compromisso é uma palavra assustador. Você sabe que há muitos gurus, muitos mentores espirituais trabalhando, felizmente, com as pessoas do mundo para ajudá-las. E para começar a trabalhar com um desses mentores espirituais, a primeira coisa que eles lhe pedirão é compromisso absoluto. E isso é bom, é muito bom! Mas isso também significa que seus ensinamentos estarão disponíveis para poucas pessoas — por ser uma pessoa rara, capaz de comprometer-se inteiramente com um caminho, que basicamente irá aniquilar seu ego, seu senso de individualidade. É muito difícil concordar com isso. Nós geralmente tentamos evitar esse tipo de coisa. Tudo que fazemos em nossas vidas é construir um ego forte, uma presença cada vez mais forte. Mesmo na prática do Aikido nós nos pegamos tentando construir nós mesmos, tornar-nos mais fortes, enquanto que a força verdadeira não vem dessa direção, ela vem do Universo. Mas nossa prática do Aikido é única no sentido de que nós não exigimos compromisso absoluto no começo. Nunca digo a um aluno “Você não pode vir e treinar aqui porque você não está comprometido com o Aikido”. Quem quiser treinar comigo, basta vir e treinar. Vou mostrar-lhe o Shin Shin Toitsu Aikido, a Unificação Mente-Corpo, vou ensinar-lhe a respirar, a estender o Ki, a manter o ponto-um, a relaxar completamente e a naturalmente manter o peso embaixo. Ótimo! Mas, definitivamente, ele pode querer se comprometer voluntariamente com o treinamento e com os ensinamentos. Porque ele verá por si mesmo que, se ele não se comprometer, ele não terá a chance de colher os benefícios desse treinamento. É necessário um grande compromisso para qualquer tipo de realização, qualquer mudança verdadeira. Só no Aikido dizemos “Seu treinamento é voluntário; você não tem que permanecer onde você está, é decisão sua”. Quando você assume o compromisso com a arte, e você realmente se decidiu a trilhar esse caminho, então eu direi “Ok! Agora você é um verdadeiro aluno”. Mas até então está tudo bem, e você será bem-vindo para treinar comigo a qualquer hora. Fico feliz por poder ensiná-lo. E você pode fazer isso pelo resto de sua vida, se você acha que deve. Nunca vou abandoná-lo, nunca vou dizer que você não é bom. Porque há sempre uma chance de você despertar. Cada pessoa está num nível diferente. Por isso, apenas continue vindo, ouvindo, treinando, experimentando, testando, tentando e descobrindo. E talvez uma hora você esteja em condições de assumir esse compromisso e tornar-se um verdadeiro estudante de Shin Shin Toitsu Aikido.
O sr. poderia definir alguns dos conceitos que usa? Falamos sobre Unificação Mente-Corpo, o que é a mente em relação ao pensamento? Qual sua compreensão a respeito dessa Unificação? O sr. poderia definir o que é a mente?
No Shin Shin Toitsu Aikido nós trabalhos com uma esfera de consciência. Chamamos isso de esfera de consciência mente-corpo. Quando falo de corpo, falo dessa esfera. Todas as coisas nascem da mente. O corpo é reflexo da mente, assim como o corpo é refletido num espelho. O que você faz com seu corpo diante de um espelho, será refletido com toda a precisão pelo espelho. Não há dúvida disso, não há como questionar esse fato. Mas o que muitas pessoas não entendem é que o que acontece no corpo é reflexo automático do que acontece na mente. É possível à mente mover-se sem mover o corpo, mas não é possível ao corpo mover-se sem o deslocamento da mente. Essa relação hierárquica entre mente e corpo não é bem compreendida pelo público, mas é essencial para entender o Aikido. Conforme desenvolvemos nosso treinamento no Shin Shin Toitsu Aikido, gradualmente desenvolvemos uma compreensão cada vez mais profunda sobre a mente. Mas a mente não é algo que se pode definir intelectualmente. Certamente há inúmeras e históricas tentativas de se explicar a mente de uma forma sábia. Mas a mente, da forma como a compreendo e a experimento, é uma espécie de linha de existência que deve ser experimentada individualmente. Não é algo que eu possa dizer “Ah, sim, isto é a mente” e então você a compreende. Não, de modo nenhum. Se você quer entender a mente, você deve praticar o que eu tenho explicado. Não é tão simples como dar uma simples explicação. Posso dizer-lhe o que fazer, e isso será como uma experiência científica: eu lhe dou uma ordem, “Ok, faça isto”, e então você vai e faz e toma essa prática para si. E então você volta e eu vou testar você e verificar se você tem praticado corretamente. Em caso positivo — você tem praticado com persistência e sinceridade suficientes –, os resultados serão vistos em você. Em caso negativo, eu lhe direi para praticar mais. Neste processo, o professor diz “Tente isto!”, e você pratica o que lhe foi transmitido, e então você voltará e mostrará sua experiência; este é o caminho tradicional. Não é como ir à faculdade e anotar ou memorizar uma lista de datas, absorver um campo de conhecimento. Não lidamos com esse tipo de conhecimento. Lidamos com sabedoria. Sabedoria não surge dos processos comuns. Você precisa realmente realizar o trabalho. Você tem que se sacrificar, você precisa se comprometer e sacrificar o que precisa exatamente ser sacrificado, o que quer que seja necessário. E você se aprofunda no ensinamento, na exata forma que o mestre lhe explica. E então você adquire experiência própria e tem que estabelecer uma relação pessoal com a Mente Universal, ou, em outras palavras, a Mente Original.
O que aflige a maioria das pessoas são pensamentos e emoções. Qual a relação entre pensamentos, emoções e a Mente Original?
Quando nascemos somos como uma lousa em branco, e, claro, imediatamente começamos a ter experiências. Quando somos crianças, somos como cães ou gatos, ou animais e plantas. Não temos autoconsciência. Temos uma espécie de liberdade na qual não nos preocupamos com o que irá acontecer no dia seguinte. Não lembramos ou tememos o que aconteceu no dia anterior. E não estamos ansiosos com nada além de conseguir alimento. Quando temos fome ou quando queremos dormir, nós somos muito zen, no sentido em que vivemos uma vida muito imediata. Muitas pessoas entendem mal essa condição, dizem que se trata de uma espécie de estado de iluminação, mas eu digo que não é. Iluminação significa que você possui esse estado natural, mas também é consciente ao mesmo tempo. Tohei Sensei diz “Somente os seres humanos têm o privilégio e a capacidade de perceber [o estado verdadeiro]“. Embora os animais possuam esse estado, eles não podem percebê-lo. Quando um cavalo relincha de medo ou excitação, não há hesitação, é algo instantâneo, imediato. Mas na maioria dos seres humanos há uma pausa que deve ser compreendida; um senso de confusão e falta de clareza que proíbe a ação livre e honesta. Num bebê isso pode acontecer, porque o bebê é como um animal. Gradualmente o bebê passar por experiências de separação, quando, por exemplo, sua mãe o deixa por alguns instantes; essas experiências começam a construir um senso de separação e isolamento, que causa hesitação, excesso de prudência, uma pausa na mente. E conforme isso acontece, o bebê começa a perder sua liberdade animal. Claro que isso é muito necessário se pretendemos viver neste mundo. Bebês devem se desenvolver para ter consciência dos resultados de suas ações. O indivíduo deve desenvolver essa autoconsciência. Em outras palavras, o que eu estou dizendo é que é necessário desenvolver um senso de individualidade, um ego, “eu sou”, a idéia de que somos especiais, num nível muito saudável, porque a autoconsciência não é nada além disso. Mas em algum momento, temos que perceber que com o ego vem o senso de isolamento, a distância do momento presente e a distância de outras pessoas. Assim, no espaço e no tempo temos uma espécie de solidão, de que eu falava no começo de nossa conversa, que produz nostalgia, vazio, saudades. E tentamos preencher isso com coisas externas, que acaba reforçando nosso senso de separação, acaba nos desligando ainda mais de todas as coisas. Talvez nos consideremos muito poderosos e tenhamos a atenção e a ajuda de outras pessoas, mas ainda nos sentimos péssimos. Porque esse sentimento de plenitude não vem de fora. Assim, como indivíduos isolados que somos, como egos, seres humanos sobre a Terra, pensamentos nos afligem. E estes pensamentos e emoções nunca têm a ver com o momento presente, eles se referem sempre ao passado ou ao futuro.
Se você está meditando e observando seus pensamentos surgirem, você pode ver claramente que esses pensamentos têm algo a ver com o passado ou com o futuro. É impossível pensar sobre o momento presente. No instante em que você está pensando sobre o momento presente, você já está pensando sobre algo que aconteceu um instante atrás. A reflexão é sempre posterior. Qualquer pensamento que surja tem origem na história que carregamos conosco, ou nos desejos e medos de algum acontecimento futuro. E portanto, não é livre, não é original, não é presente. Pensamentos não são bons ou ruins em si, pouco importa o que podemos pensar deles. A prática é aprender a viver completamente no momento presente, que significa a Mente Original, e não simplesmente reagir aos pensamentos (ou segui-los) que nos separam do espaço e do tempo atuais.
Uma outra definição: o sr. usou a palavra universo ou universal; poderia explicar isso?
As pessoas crêem que o universo é uma entidade física, e que, é claro, há uma manifestação física que os cientistas chamam de “o universo”. Mas todos sabemos que quando estamos ao ar livre e olhamos para o céu, quando observamos “o universo”, temos uma estranha sensação. “Até onde ele se estende?”, você sempre se pergunta. Bem, ele se estende infinitamente! O espaço não tem fim. E isso é totalmente ilógico. Não se encaixa a nenhum conceito que possamos ter. O termo “infinito” nos faz ultrapassar o conceito. É uma espécie de violação do pensamento lógico, algo que não pode ser logicamente concebido. Assim, quando eu falo “Universal” ou “Universo”, eu me refiro a um infinito que não pode ser compreendido com uma mente lógica e racional. A definição adequada de Universo seria uma anti-definição. Isto é, não é algo que se possa conceber. Está além dos limites. Não há princípio para o tempo, assim como pode não haver fim. O mesmo vale para o espaço: não há princípio no espaço; pode não haver um fim. O mundo dualista, este mundo relativo em que vivemos é um artefato, baseado na idéia de que há um fim ou limite no tempo e no espaço. Quando, na realidade, nós sabemos que não há. Isso produz um tipo de contradição em nós, e qualquer ser humano sensível, mais cedo ou mais tarde, percebe essa contradição e se pergunta “Como isso é possível? Como posso viver minha vida de acordo com meus sentidos, meu paladar, meu olfato, minha audição, meu tato, minha visão, meus sentimentos? Como posso viver minha vida desta forma, conforme as leis da realidade que percebo através dos sentidos? E essa realidade me diz que há um tempo estruturado, um espaço organizado. Há um fim para tudo. E ao mesmo tempo o infinito sugere algo totalmente diferente!”
Não estou dizendo com isso que o mundo que nós percebemos, em que vivemos e trabalhamos, não existe. Mas digo que ele é uma extensão lógica e útil de algo que é muito maior, muito mais profundo e misterioso. Nós todos conhecemos o mundo dualista dos sentidos, mas o mundo não-dualista precisa ser experimentado — o Universo não-dualista, que chamamos de Mente Original, da qual todas as manifestações se originam, não anos atrás, mas a todo instante.
De volta ao Aikido, como o sr. vê o Aikido em relação à sociedade?
Eu acho que se trata de uma arte muito especial, graças a Tohei Sensei. Porque nunca houve, no ocidente ou no oriente, um método claro e objetivo de descobrir, por nós mesmos, o verdadeiro estado de nossas mentes. No passado isso era transmitido de mestre para discípulo, de um modo muito íntimo e particular. Mas agora, como Tohei Sensei desenvolveu os testes de Ki, há um meio de cada pessoa verificar sua própria condição, há um meio de perceber seu estado atual. E isso desperta e estimula em nós um senso de Unificação Mente-Corpo.
Como eu disse antes, o corpo é reflexo da mente. Digamos que você está parado em pé e eu aplico um leve esforço em seu peito. Primeiro você tem vontade de resistir a esse esforço, uma espécie de combate, como eu dizia antes. Você será desequilibrado facilmente. Essa vontade de resistir surge em sua mente porque você quer vencer! Você quer fazer isso por si próprio, você quer “passar” no teste de Ki. Contudo, isso não tem nada a ver com “passar”, mas sim compreender o processo através do qual a mente nos torna o que somos. Essa é uma prática simples que nos mostra como realmente somos. E no momento seguinte você pode se desequilibrar, conforme aumento o esforço em você, sua força pode terminar e você pode cair para trás. São dois momentos. O primeiro é o de resistência, há a sua intensidade e você a usa para resistir. Não é intensidade, é apenas resistência ao teste. Enquanto que no segundo momento, quando você finalmente é superado pelo esforço que lhe foi aplicado, você pode ter uma sensação de profunda calma. Você pensa que o mundo é maior do que você. Você cai porque a pessoa que lhe testou tem muita força. Isso é uma espécie de passividade. A serenidade é algo positivo, mas tem sido incompreendida e usada de forma errada. Em vez desses dois tipos de reação ao esforço, nós simplesmente nos permitimos ficar no estado em que nós naturalmente estamos. Não tentamos mudar esse estado, ficamos calmos e relaxados, mas permitimos uma grande intensidade, que perpassa o universo e nos preenche. Podemos imaginar que não estamos limitados pela pele que aparentemente acomoda o nosso corpo. Podemos nos identificar com todo o espaço do Universo Infinito. Isso nos permite mover-nos conforme nosso desejo. Tohei Sensei desenvolveu três princípios que falam do Universo. O primeiro princípio diz que o Universo é uma esfera infinita com raio infinito; o segundo diz que o Universo é uma reunião de partículas infinitamente pequenas; e o terceiro diz que o Universo está sempre mudando ou que o Universo está sempre em movimento. Os físicos dirão que o mundo microscópico (atômico ou subatômico) está se movendo a velocidades incríveis. Sabemos que a Terra gira a mais de 3000km/h, e que traslada ao redor do Sol a uma velocidade ainda maior. Tudo no Universo está se movendo velozmente e com grande intensidade a todo instante. Entretanto, nós não percebemos isso. Simplesmente ignoramos estes fatos. Mas isso pode ser percebido, quando relaxamos e acalmamos nossa mente. Começamos a ter a sensação de que há uma intensidade oculta que pode ser, no início, um poder muito assustador. E o que identificamos como “poder” nada mais é do que a Energia Universal. Assim, relaxamos e mantemos a naturalidade e não tentamos mais competir ou derrotar; não tentamos mais resistir. E ao mesmo tempo não nos sujeitamos ao esforço que nos é aplicado, ou fugimos dele. Apenas mantemos nossa integridade, nosso estado natural, poderoso e positivo, e descobrimos que estamos totalmente enraizados. Pressiono seu peito e você não se move. Chamamos isto de teste de Ki. Claro que o fazemos em várias posições: inclinar para frente, para trás, segurar os braços, torná-los inflexíveis, e os princípios funcionam da mesma forma o tempo todo. Estamos sempre procurando estas três alternativas: 1) intensidade resistente; 2) sujeição serena; ou 3) o que chamamos de serenidade vívida ou Seishi. A palavra japonesa para calma vívida é Seishi, que nada mais é do que estar no estado de Reiseishin (mencionado anteriormente), um estado natural de existência, sem permitir o desejo de ser mais ou melhor ou diferente daquilo que você é neste exato momento. Nunca perturbe a equanimidade e nunca sacrifique sua integridade. Assim todos podem passar por esse teste, você não tem que ser um expert. Você pode vir ao dojo pela primeira vez, eu mostrarei como fazer o orenaite (braço inflexível). Mostrarei como enraizar o corpo, de modo que eu não possa levantá-lo do chão. Mostrarei como manter o Ponto-Um e relaxar completamente. Assim, quando eu o empurrar, você não se moverá. Você pode ter essas experiências desde o primeiro dia. É algo maravilhoso!
Tohei Sensei desenvolveu estas formas de mostrar, através do corpo, qual é o estado real da nossa mente. E como eu disse, nunca tinha sido feito dessa forma. Esses métodos têm diversas aplicações possíveis em educação. Você sabia que Richard Riley, o Secretário de Educação dos Estados Unidos [nos anos 90, durante o governo de Bill Clinton] é um grande entusiasta dos princípios da Unificação Mente-Corpo? Ele aprendeu os testes de Ki e ficou tão impressionado que criou um projeto que pretende levar a Unificação Mente-Corpo para as escolas de ensino fundamental nos EUA. Atualmente, gastamos muito tempo nas escolas ensinando as crianças a se movimentar, a usar o corpo; também gastamos muito tempo ensinando-as a usar a mente. Mas estas coisas quase sempre são feitas separadamente. Poucas vezes são feitas juntas, como por exemplo em esportes em que você pode ter que aprender a estender sua mente enquanto corre ou disputa algum tipo de jogo. Mas, mesmo nestes casos, isso só acontece durante a atividade. Assim que ela acaba, acaba também a coordenação entre mente e corpo, que não foi ensinada como um Princípio. Além disso, muitos técnicos estimulam um sentido de aquisição pessoal, de obtenção agressiva em seus alunos. E os testes de Ki não sugerem ou encorajam nenhum tipo de progresso que já não exista em você. Nós dizemos “Eu já sou bom!”. Mente e corpo já estão unificados, nós apenas esquecemos disso! Nós esquecemos porque nós aceitamos nossas deficiências, e aceitamos a realidade que nossos sentidos nos transmitem. Você acha que algo tem que mudar e que você precisa melhorar. De alguma forma você acha que precisa obter algo para preencher o vazio que sente. Mas isso não é verdadeiro. Não há nenhum ganho necessário. Toda busca nos desloca do aqui-e-agora. A sensação de vazio é um erro, uma noção errada! Ela nos afasta da realidade, daquilo que realmente somos. Assim, todos nós devemos encarar o que realmente somos, transformarmo-nos naquilo que sempre fomos, mas esquecemos. Esse é o sentido dos testes de Ki e como eles são úteis para cada um de nós, para aprendermos sobre quem realmente somos.
Há um tempero cultural no Aikido. De um modo geral ele se baseia na cultura e nos valores japoneses. Assim, como o sr. vê o desenvolvimento futuro do Aikido?
Quando eu era um aikidoka principiante, muitos anos atrás, eu estava em uma festa em Honolulu com Tohei Sensei. Eu tive muita sorte de estar ao lado dele naquele momento. Perguntei-lhe sobre o Aikido e ele me contou algumas histórias sobre o significado da arte. E no final da nossa conversa, a última coisa que ele me disse foi “Meu jovem, o futuro do Aikido está no Ocidente!”. Achei muito interessante ele ter dito aquilo, e nunca esqueci aquele dia. Naquela época eu não entendi o que ele quis dizer com aquilo. Acho que ele não pretendia excluir o Japão, mas tinha uma forte intuição de que a cultura ocidental precisa de um método para unir as tradições espirituais do Oriente e as tradição científica do Ocidente, e o Aikido pode ajudar nisso. Ok, isso não significa que não tenham existido tradições espirituais no Ocidente. Mas no Ocidente — Europa e América — o homem tem se esforçado para desenvolver a ciência e a tecnologia. E podemos ver aonde isso tem nos levado! Por causa da irresponsabilidade, corremos o risco de destruir o meio ambiente. Isso não implica, de modo algum, desmerecer os maravilhosos confortos da vida moderna. Eu não abandonaria a odontologia moderna por nada. Eu acabaria tendo dentes fracos! Sou muito grato pelos avanços da medicina. Pessoalmente, devo dizer que os médicos ocidentais já me salvaram a vida uma vez. Eu teria morrido se não fosse a moderna tecnologia. Eu nem poderia estar aqui para dizer isso. Sou muito grato por isso, e sou muito grato por ter uma boa dentição. E também sou muito grato por poder viajar de avião até a Europa, e encontrar pessoas maravilhosas, ensinar Aikido e compartilhar o que sei com vocês. Todas estas coisas são maravilhosas. Mas, em si, como eu dizia, elas não são adequadas para uma coisa. Se não as usamos apropriadamente, como eu disse, estamos vendo agora que podemos destruir o ambiente em que vivemos. Assim, acho que o futuro do Aikido no Ocidente tem um papel muito significativo para desempenhar. Este papel pode estar em mostrar essa simples ligação entre mente e corpo, esta ligação entre o mundo interior e o mundo exterior, de uma forma observável e ocidental. Tohei Sensei descreve isso como um iceberg. Ele diz “Olhamos nós mesmos como olhamos um iceberg. Vemos a ponta do iceberg acima da água. E basicamente pensamos que apenas a ponta é o iceberg”. Mas na verdade a parte que está sobre a água é a menor parte do iceberg. O iceberg possui uma grande quantidade de gelo que permanece sob a superfície do oceano. Isso é o que sabemos sobre um iceberg. E pensarmos na condição humana, a ponta do iceberg pode ser vista como nosso ego, aquela parte de nós que se identifica apenas com o mundo dos sentidos. O mundo interior, aquele que fica escondido, pode ser comparado com a parte do iceberg que permanece sob a água, a não ser pelo fato de que no ser humano o mundo interior não é apenas maior que a “ponta do iceberg”, mas infinito em tamanho. A razão disso é que esse mundo interior é a conseqüência direta da Mente Original, da Mente ou Realidade Universal.
É bastante difícil conversar sobre isso. É verdade que posso falar disso praticamente para sempre, mas não posso dizer exatamente o que é. Lao Tsé dizia “Aquele que fala não sabe. Aquele que sabe não fala” e então ele escreveu montes de livros sobre isso! Podemos conversar sem parar sobre esses assuntos. Mas se tentamos dizer “É isso”, se tentamos defini-lo, apontá-lo, se eu tentar responder exatamente o que você me pergunta — “O que é a mente?” — e se eu tentar explicar exatamente o que é o universo e dizer “É isto”, então estarei errando. Porque não há como definir tais coisas. É como tentar pisar num sabonete durante o banho: ele escorrega para longe de você. Quando você acha que apreendeu esses objetos, na realidade não os apreendeu. É um processo de constante aprofundamento — de um modo muito humilde, sincero, devotado e compromissado. Aprofundar-se é como explorar de um modo muito pessoal e íntimo; uma exploração muito profunda que nos leva além, através e além de nossos medos. Quando nos aprofundamos, perdemos os medos e carregamos conosco a coragem que descobrimos ter ao olhar nossa natureza e observar as deficiências que temos, o modo como usamos as pessoas para conseguir amor delas. “Quero isto de você, isto de você e isto de você”. Mas a vida plena está em outro lugar: dar, sempre entregar-se às outras pessoas.
Deveríamos oferecer o Kiatsu a todas as pessoas que encontramos. Kiatsu significa pressionar com Ki. Às vezes aplicamos Kiatsu pressionando com o polegar partes do corpo de uma pessoa machucada ou enfraquecida para aplicar-lhe o Ki e ajudá-la a se curar. Mas além disso, penso na vida como o Kiatsu: quando uso minha voz, quando encontro pessoas, o modo como me direciono a elas, como direciono meu peito, o lugar em que está meu coração; o modo como olho a outra pessoa; o sentimento que tenho por ela, o pensamento que nutro por ela. Isso tudo também é um tipo de Kiatsu. Mesmo que ela não esteja diante de mim. Minha esposa está em Maui. Quando penso nela, eu penso desta forma: estou lhe oferecendo Kiatsu. Estou estendendo meu Ki, meu amor, minha apreciação e minha gratidão para ela. Então, na próxima vez que eu a encontrar, isto se manifestará para mim. Como tratamos uma pessoa em nossos pensamentos, ou pessoalmente, como olhamos alguém, como nos sentimos em relação a essa pessoa; como usamos a voz com essa pessoa, nossos olhos, a gentileza de nosso rosto e do corpo em relação às pessoas. Isso é oferecer, oferecer, oferecer o tempo todo. Isso não tem fim. E se você fizer isso, nunca se sentirá cansado, isso nunca o esgotará. Obtenha e acumule, e você se sentirá esgotado. Você pode pensar o contrário, mas quanto mais possuímos, mais nos esgotamos. Este é o paradoxo.
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